Ética e moral

*Thomas Mautner*
Universidade Nacional da Austrália

A palavra "ética" relaciona-se com "ethos", que em grego significa hábito ou costume. A palavra é usada
em vários sentidos relacionados, que é necessário distinguir para evitar confusões.

*1.* É a investigação racional, ou uma teoria, sobre os padrões do correto e incorreto, do bom e do mau, com respeito ao carácter e à conduta, que uma classe de indivíduos tem o dever de aceitar. Esta classe pode ser a humanidade em geral, mas podemos também considerar que a ética médica, a ética empresarial, etc., são corpos de padrões que os profissionais em questão devem aceitar e observar. Este tipo de investigação e a teoria que daí resulta (a ética kantiana e a utilitarista são exemplos amplamente conhecidos) não descrevem o modo como as pessoas pensam ou se comportam; antes prescrevem o modo como as pessoas devem pensar e comportar-se. Por isso se chama "ética normativa": o seu objectivo principal é formular normas válidas de conduta e de avaliação do carácter. O estudo sobre que normas e padrões gerais são de aplicar em situações-problema efectivos chama-se também "ética aplicada". Recentemente, a expressão "teoria ética" é muitas vezes usada neste sentido. Muito do que se chama filosofia moral é ética normativa ou aplicada.

*2.* A ética social ou religiosa é um corpo de doutrina que diz respeito o que é correcto e incorrecto, bom e mau, relativamente ao carácter e à conduta. Afirma implicitamente que lhe é devida obediência geral. Neste sentido, há, por exemplo, uma ética confucionista, cristã, etc. É semelhante à ética normativa filosófica ao afirmar a sua validade geral, mas difere dela porque não pretende ser estabelecida unicamente com base na investigação racional.

*3. * A moralidade positiva é um corpo de doutrinas, a que um conjunto de indivíduos adere geralmente, que dizem respeito ao que é correcto e incorrecto, bom e mau, com respeito ao carácter e à conduta. Os indivíduos podem ser os membros de uma comunidade (por exemplo, a ética dos índios Hopi), de uma profissão (certos códigos de honra) ou qualquer outro tipo de grupo social. Pode-se contrastar a moralidade positiva com a moralidade crítica ou ideal. A moralidade positiva de uma sociedade pode tolerar a escravatura, mas a escravatura pode ser considerada intolerável à luz de uma teoria que supostamente terá a autoridade da razão (ética normativa) ou à luz de uma doutrina que tem o apoio da tradição ou da religião (ética social ou religiosa).

*4. *Ao estudo a partir do exterior, por assim dizer, de um sistema de crenças e práticas de um grupo social também se chama ética, mais especificamente "ética descritiva", dado que um dos seus objectivos principais é descrever a ética do grupo. Também se lhe chama por vezes étnoética, e é parte das ciências sociais.

*5.* Chama-se "metaética" ou "ética analítica" a um tipo de investigação ou teoria filosófica que se distingue da ética normativa. A metaética tem como objecto de investigação filosófica os conceitos, proposições e sistemas de crenças éticos. Analisa os conceitos de correcto e incorrecto, bom e mau, com respeito ao carácter e à conduta, assim como conceitos relacionados com estes, como, por exemplo, a responsabilidade moral, a virtude, os direitos. Inclui também a epistemologia moral: o modo como a verdade ética pode ser conhecida (se é que o pode); e a ontologia moral: a questão de saber se há uma realidade moral que corresponde às nossas crenças e outras atitudes morais. As questões de saber se a moral é subjectiva ou objectiva, relativa ou absoluta, e em que sentido o é, pertencem à metaética.

A palavra "moral" e as suas cognatas refere-se ao que é bom ou mau, correcto ou incorrecto, no carácter ou conduta humana. Mas o bem moral (ou a correcção) não é o único tipo de bem; assim, a questão é saber como distinguir entre o moral e o não moral. Esta questão é objecto de discussão. Algumas respostas são em termos de "conteúdo". Uma opinião é que as preocupações morais são unicamente as que se relacionam com o sexo. Mais plausível é a sugestão de que as questões morais são unicamente as que afectam outras pessoas. Mas há teorias (Aristóteles, Hume) que considerariam que mesmo esta demarcação é excessivamente redutora. Outras respostas fornecem um critério "formal": por exemplo, que as exigências morais são as que têm origem em Deus, ou que as exigências morais são as que derrotam quaisquer outros tipos de exigências ou, ainda, que os juízos morais são universalizáveis.

A palavra latina "moralis", que é a raíz da palavra portuguesa, foi criada por Cícero a partir de "mos" (plural "mores"), que significa costumes, para corresponder ao termo grego "ethos" (costumes). É por isso que em muitos contextos, mas nem sempre, os termos "moral/ético", "moralidade/ética", "filosofia moral/ética" são sinónimos. Mas as duas palavras têm também sido usadas para fazer várias distinções:


1. Hegel contrasta a "Moralität" (moralidade) com a "Sittlichkeit" ("eticalidade" ou vida ética). Segundo Hegel, a moralidade tem origem em Sócrates e foi reforçada com o nascimento do cristianismo, a reforma e Kant, e é o que é do interesse do indivíduo autónomo. Apesar de a moralidade envolver um cuidado com o bem-estar não apenas de si mas também dos outros, deixa muito a desejar por causa da sua incompatibilidade potencial com valores sociais estabelecidos e comuns, assim como com os costumes e instituições que dão corpo e permitem a manutenção desse valores. Viver numa harmonia não forçada com estes valores e instituições é a "Sittlichkeit", na qual a autonomia do indivíduo, os direitos da consciência individual, são reconhecidos mas devidamente restringidos;

2. De modo análogo, alguns autores mais recentes usam a palavra "moralidade" para designar um tipo especial de ética. Bernard Williams (Ethics and the Limits of Philosophy, 1985), por exemplo, argumenta que "a instituição da moralidade" encara os padrões e normas éticas como se fossem semelhantes a regras legais, tornando-se por isso a obediência ao dever a única virtude genuína. Esta é uma perspectiva que, na sua opinião, deve ser abandonada a favor de uma abordagem da vida ética menos moralista e mais humana e sem restrições;

3. Habermas, por outro lado, faz uma distinção que está também implícita na "Teoria da Justiça" de Rawls entre ética, que tem a ver com a vida boa (que não é o mesmo para todas as pessoas), e a moralidade, que tem a ver com a dimensão social da vida humana e portanto com princípios de conduta que podem ter aplicação universal. A ética ocupa-se da vida boa, a moralidade da conduta correcta.


Tradução e adaptação de Desidério Murcho Retirado de "Dictionary of Philosophy", org. por Thomas Mautner (Penguin, 2005) Copyright © 1997-2005 criticanarede.com, ISSN 1749-8457, Direitos reservados. Não reproduza sem citar a fonte.